quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Minha casa

 Poesia que escrevi hoje (a quem interessar possa rs)

Onde havia uma tábua rasa e dura,
com cortes profundos,
ergueu-se uma casa de madeira branca.
Pedaço a pedaço.
com fendas e mundos,
uma igreja pagã de homilia franca.
Nesse templo antes castigado,
ora recito ora gargalho,
num ritual nada melancólico.
Ele fica no alto de uma montanha,
longe de ser perfeita,
no topo moderno, nostálgico, bucólico.
Todo dia aparece a vontade de decorar a vida
com pincéis recém-descobertos
(e outros já bem desbotados).
Essa casa de madeira lisa
tem vários itens que carrego comigo
arrumados para visitas
ou com charme bagunçado.
As janelas se abrem com frequência,
para deixar entrar mais brisa na mesa.
E aquela velha roupa que secava
já não está tão velha
nem tão presa.
Tem uns sapatos descansando na porta,
uma chave que nunca encontro - nem quero.
Nesse pedaço de universo que é a minha casa
só tem fechadura onde tem verso.
O quarto ainda está sendo construído,
os muros permanecem muito baixos,
mas a sala tem um terreno bailarino
onde a cada novo olhar mais me encaixo
E nessa dança mágica que fazem as cortinas,
nessa pequena chama que queima na fonte
- em ritmo gostoso de mar -
eu me aconchego dentro do meu peito,
que aprendi a chamar de lar.
Pega essa mansão de vento e derruba tudo!
Ah, meu amigo, não se apavore...
Essa religião não precisa de endereço, eu mudo...
Essas tábuas são de sons do piano.
Forte.

Ao jardineiro José

 

Plantou um pé de mamoeiro.
Dois, três, quatro, cem.
Espalhou por aí as sementes e
viu o verde povoar, sentiu-se bem.
Contou a todos que passavam:
"Vejam, que linda plantinha!"
Tinha pelas folhas tanta ternura
que cada um que floreava sorria.
Jardineiro de tantas folhagens,
gostava de plantar ideias.
E, assim, no verde-esperança dos dias,
cavava túneis de cactos e azaléias .
Deixou o terreno mais fértil
para a chegada da primavera.
E foi mesmo num dia de flores
que ele se desplantou dessa Terra.
Voou suas sementes pelo vento do mundo,
deixou seus mamoeiros bem irrigados .
Foi-se levando pouco, deixou muito:
peitos cheios de florestas, seu legado.

Ajusta as lentes!


Vamos falar sobre óculos!
Primeiro, vale destacar:
uso em função da miopia.
Amigos, ora, a miopia é mia.
E cada um tem a sua...
Mas miopia sem óculos
envolve todo mundo da rua.
Tem a dona Fiorina,
que vê tudo embaçado e comenta.
Tem o Carlão Bom de Mira,
que se vê com visão melhorada.
Eu sou aquela baixinha
que tropeça na mesa
e não entende nada
do que se mostra.
Eu sou uma miopia com certa bossa.
Mas, ainda assim, prefiro enxergar.
Por isso, voltamos ao tema:
decido usar óculos.
Mas sei que a miopia ainda está lá.
Então, volta e meia, deve-se mudar a lente
(neste dia a gente até fica contente)
e de repente nota que, de novo,
já está vendo tudo deformado...
(aí a gente compra um óculos menos quadrado).
Pois é, amigos, óculos dizem muito.
Dizem do que se sente
e do que se esconde
atrás de cada armação.
Diz daqueles graus a mais
que vêm com o tempo
e com o cansaço da observação.
E eu, mesmo enxergando poesia,
às vezes queria explodir a miopia
e ter a visão perfeita!
Mas aí tem um tal de
"não ser tão bom ver cada detalhe"...
E eu deixo essa mania na cabeceira
e volto a me dizer "ei, repare!"
Olho ceguetinho, vem em quando,
com óculos novo e bonito...
Até que tem um charme!

Feminismo

 A essa mulher de óculos

que todos os dias despeja
flores na mesa vazia.
Acredita no poder das palavras
(e da vida).
Tem um jeito de saborear
cada partilha
e faz de todas as suas
cores uma família.
Como é belo o jeito de persistir,
a coragem de se atirar
(mesmo que do mesmo lugar)
e a força que mostra no sorrir.
Sou sua sempre, a cada manhã,
renovo esse amor que nos resguarda.
Você é calor de vento e cheiro de terra molhada.
Estamos juntas a cada momento
e isso que sempre me salva.
A essa brisa-mulher-maravilha,
que bom te escutar, te sentir
e ser sempre a sua morada.
Só quero ouvir teu canto,
teu som, teu passo já desgastado.
Você acerta até quando erra
porque deixa em mim aprendizado.
É por você que me movo,
pelo seu olhar mais puro, a cada autorretrato.
Escrevo essa carta pra te dizer:
não importa quantas rugas e manchas
insistam em me ver,
a cada dia te sinto mais eu
e me deságuo mais em ser você!

Pandemia

 Maria ia à escola,

mas já não podia entrar.

"Quem me dera estudar..."
Pois que pena, não daria.
Carlito tinha fome
e partiu a mendigar,
mas, com medo do contato,
"Não tenho nada", teriam dito
ao pobre Carlito.
E o mundo parou de rodar.
Enquanto uns corriam
atrás de bolas que rolavam sós,
outros sucumbiam,
à espera de rever, um dia,
tantos de nós.
E aquela porta que se abria
se fechou em um muro
e se resumiu a a(pó)s.
O trabalho, uma lembrança boa,
da Clarice, do Pedro e do Ivo.
O avião partindo no vazio.
E no peito a flor teimosa da esperança
escoando murcha para o intestino.
A todos que disseram
 "veja o lado bom",
o meu lamento mais sincero:
só por hoje perdi o dom.
Quero apenas ver da janela
seus rostos daí cantando
e te dizer um tanto
do quanto me importo.
Estou aqui no meu canto:
Teremos um novo dia.
Só não sabemos quando.

Portas fechadas que abrem

Bati a porta. Não foi uma nem duas vezes: eu me derramei na campainha. Ouvi do outro lado ruídos silenciosos da indiferença. Fiz barulho ao me abrir, mas o som dessa porta era imenso. Me calei ali, abaixadinha. 


Tirei os sapatos e pensei em outra saída - ou entrada - nessa casa/vida que não queria me habitar. Só avistei os muros altos da solidão cercada, quis bater asas ou naufragar. Mas entendi a fechadura mais de perto: esse não é meu lar.

Peguei a mala que sonhei deixar ali. Arrumei meus pertences no vento, me deixei partir. E voei para outros momentos, tive vislumbres do que sonhei construir. E comecei, cimento a cimento, a entender meu casulo porvir.

Olhei o caminho para trás com saudade, mas o mundo à frente tem cores mais abertas. Entendi que não tem tanta pressa, e também não só uma saída. Encontrei naquela porta a descrença. Mas me fechei desse capítulo e abri a vida.

segunda-feira, 2 de março de 2020

À porta

Como, meu bem, queria
que você batesse à porta.
Imagino você à mesa,
sinto me cutucando as costas.
Mas você não está hoje,
nem amanhã.
O tempo é um vácuo sem esse olhar
que teima em manter cerrado.
A floresta é um deserto do seu abraço.
Eu sou você, ainda aqui resistindo.
Eu vejo você daí sorrindo.
Um dia ainda vou abrir essa porta,
os olhos, o sorriso,
e encontrar seu colo.
Meu pai.
Um dia seremos nós dois de novo
Enquanto isso, tenho as lembranças.
Viro e revivo. Choro.
Rodopiando nas memórias,
te encontro me dando a mão,
desde criança.
Nós somos uma festa linda,
preparada para durar toda a vida.
O seu banquete anda esfriando,
mas eu continuo dançando.
Um passo de cada vez.
Nós dois ainda, distantes.
Quem sabe ainda mais juntos.
Talvez.
E eternamente vibrantes.