quinta-feira, 19 de novembro de 2009
Parque
linda e misteriosa, promessa de menina,
chega para balançar o esqueleto.
Se não é para mim, eu invento.
Passa de fria a quente, de quente a fria,
e os dias começam a ter algum movimento.
Só que com o caminhar do tempo,
é inevitável que o novo vá ao cotidiano
e eu perco tudo o que criei de puritano
para de repente achar que o problema é meu:
dizer que viveu um amor que nunca viveu.
Todo o furacão literário
de repente passa a acordo funerário.
Quem foi que inventou essa conversa?
Essa menina comum não me interessa!
Corro em busca de um brinquedo novo.
O desafio é que toda boneca por dentro é oca
E se me aburreço com a minha vida
é porque não aprendi a vivê-la toda.
Em cada sacudida nova me esqueço,
que fui eu que enjoei de mim, lá no começo.
sábado, 7 de março de 2009
Carta sobre a lua
Tão sozinha e tão cheia de gente
Plena e ausente
Brilha, mas é cheia de nada
Contempla oculta na noite estrelada
e rouba a luz dos outros, dependente
Tem fases cíclicas e todas são belas
Quando se enche de sol, fica amarela
E quando se apaga deixa saudade.
Não se sabe qual a sua real idade,
ela esconde os mistérios profundos.
Iumina sabe-se lá quantos mundos
e inspira morimbundos bem almados.
É calada, traiçoeira e perigosa,
mas sabe ser velha amiga,
mesmo quando é nova.
Tenta ser gente grande
enquanto fica cada vez mais minguante.
Pode ser uma lanterna boa
para os perdidos na estrada.
É consolo para os fugidos,
recanto egoísta para as namoradas.
Ela sabe ser o espelho de quem é
Sedenta, caprichosa e crua...
Será que escrevo sobre mim
ou falo mesmo para a Lua?
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
Palavras
O mundo te diz:
"dê mais".
Você discorda.
Diz que é demais.
Só que o mais é um sinal
E o mundo é americanizado.
"See now!"
Não demore.
"Dê more!".
Essa vida cansa,
Não há tempo de rede.
"Re-dê!"
Tem horas que enjoa.
Digo: não há tempo!
Eles dizem: "tem pô!"
E eu canso.
Maldito vocabulário!
Procuro um time
Mas não há time.
Eu vou, mas tenho sono.
"Só, no!"
Tem muita coisa,
É coisa demais.
E continuo só ouvindo:
"Dê mais!"
Se vou pro sul,
Algo me balança.
Mas escuto:
"Bá, lança!"
Se vou pro norte
tirar algo que me aveche.
"Ave, enche!"
Tudo é sempre na ação.
Nunca numa nice,
Tudo é pequenice!
Chega de demais!
Não sou de safadeza,
Mas quero corpo mole.
E vou alcançar, chega de ao cansar
que meu corpo já cansa.
Depois desta fadiga toda,
É boa hora pro bora da bonança.
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
Abolição
Não quero renunciar à vida
para me entregar à poesia.
Nem tampouco me oferecer em sacrifício
para enaltecer a história humana.
Quero ser brisa solta a vagar no dia.
Quero ser fraca, cansada e mundana.
Cheia de vontade de errar o ofício
e vazia de crítica pelo profano.
Quero que nada saia como os planos,
desejo nunca entender o caminho.
Prefiro ser burra a ser hipócrita.
Faço piruetas de salto, enalteço a chacota.
Não me importo em largar a rosa
e abraçar o espinho.
Eu sou um caminho torto, duma via florida.
Renego o cômodo e cambaleio formosa.
Escolho mesmo não entender nada,
não saber se fiz mal ou correto.
Deliberadamente rezo pelo azar
e torço para o meu andar não ser reto.
Quero errar tanto que esgotada peça arrego.
E mesmo assim não obtenha, e siga.
Desejo tudo que perturbe o sossego,
dou parabéns a tudo de bom que renego.
Não me irrito com as críticas,
não pergunto a opinião alheia.
Desta vida toda, só quero ser cheia.
Autêntica, espontânea, se assim o quiser.
Quero ser hoje homem, amanhã mulher.
E não ter definição em cifras e nomes.
Quero só desse mundo ter fome.
Seguir perdida, com a impressão errada.
Nunca desejar desejar nada.
Se o tempo parar, e a escada cair,
eu quero apenas sentir
e não ter medo do podre.
Quero ser o quanto mais pobre
e o quanto mais louco
essas asas mancas de pombo
me deixarem ser.
E, um dia, quando a morte bater na minha casa,
eu dou um chute na cara dela.
Rio debochada, cuspo da janela.
E vou carregada pelos pés, como
uma foliã exagerada expulsa da festa.
Mas o meu público jamais esquecerá a algazarra.
E, no céu, continuarei bagunçando as arestas.